Ainda não conhecia a aconchegante Sala Uol, típico (e quase único) cinema de rua, com charme e simplicidade. Enquanto aguardam, os frequentadores colocam em dia a leitura. Nas colunas do hall há, sobrepostos, posters de filmes que há pouco saíram de cartaz. E na parede que dá acesso aos banheiros, uma reprodução do poster da 14ª Mostra. E, mais uma vez, a sessão contava com a ilustre presença de Bernardo Vorobow.
Ouro Carmim (Talaye Sorkh/Crimson Gold, 2003 – IRA)
A narração começa num assalto desastrado, numa joalheria de bairro chique em Teerã. O cineasta Jafar Panahi começa pela explosão da panela de pressão, para então iniciar o longo flashback que trará os personagens até a situação trágica. O roteiro é de Abbas Kiarostami, ele observa a situação iraniana pelos olhos de um entregador de pizza, que sofre com o transito caótico, bate carteiras durante o dia, frequenta apartamos luxuosos para realizar suas entregas.
O disparate entre classes sociais e a mão opressora do Estado para com a classe média baixa, de apartamos minúsculos em lugares inóspitos, forma o caldo desse filme. Hussein (Hossain Emadeddin) se sente discriminado, humilhado, quer ser bem tratado, passa a usar terno e gravata, ainda assim não consegue negar suas origens. A humilhação fica ainda maior, fato gerador que culminará na panela de pressão que se tornará a joalheria, ouro carmim torna-se cor de tragédia.
Mas além do contraste social o filme trata da indiferença, que exerce função de locomotiva psicológica na história. Um garoto de quinze é militar, ele não tem idade para estar lá, mas seu irmão morreu e ele herdou a carteira de identidade. É nítido em seu rosto sua pouca idade, mas é indiferente ao Estado que precisa manter seu exército para controlar as rédeas desse povo discriminado e reprimido.