Primeiro post de uma série de filmes vistos no Festival de San Sebastián que foi encerrado ontem.
Elle (2016 – FRA)
Com tela escura, a cena inicial dá indícios de violência contra uma mulher. O que Paul Verhoeven e Isabelle Huppert fazem a seguir é construir essa personagem, com riqueza de detalhes e nuances que a tornam única e fascinante. Além, de um jogo do público, testando os limites da inquietude e da libertação feminina dos estereótipos que tão bem conhecemos.
Por isso, com o forte movimento de clamor feminino dos tempos atuais, o filme de Verhoeven não poderia chegar em melhor hora. Michelle (Huppert) e Anna (Anne Consigny) são sócias de uma empresa que desenvolve videogames, duas mulheres entre os 50 e 60 anos, com vida sexual e social ativa e trabalhando neste ramo já é a primeira quebra de qualquer paradigma. Enquanto descobrimos mais de Michelle ao testemunharmos seus relacionamentos com o filho, a mãe, o ex-marido, os vizinhos e etc, surge um passado familiar nebuloso que lhe afasta de delatar à polícia o estupro.
Por meio de uma trilha sonora precisa e de uma sofisticação narrativa absurda, a dupla Verhoeven-Huppert constrói relações, fragilidades e fortalezas dessa mulher ainda mais inquietante que a própria trama de saber qual a identidade do violentador. O ato de violência se torna, apenas, mais um ponto crucial da vida de Michelle. Ela é mais o todo que a cerca, e suas respostas a cada um, do que uma frágil e indefesa presa fácil de um violento perseguidor anônimo. Michelle representa a mulher moderna, talvez menos sentimental do que seja possível, ou talvez mais calejada do que qualquer uma para enfrentar seus tramas e criar a autodefesa necessária para não se abater, e essas armas escondem as fragilidades, mas principalmente intimidam a maioria. Sexo, a influência católica, o mundo da tecnologia, uma nova concepção de liberdade e familia moderna, Elle é um estudo intrigante do que seria um encontro de Caché e Claude Chabrol.