Melancholia (2011 – DIN)
Sinceramente, começo a acreditar que Lars Von Trier é um mestre da manipulação, tudo bem que sua figura frente aos jornalistas é de um manipulador barato e irônico que fala o que fala mais para render discussões e perseguições do que defender idéias (e Cannes este ano foi prova disso na polêmica sobre ele entender Hitler). Mas, ali, dentro da sala escura, o cineasta dinamarquês cria histórias discutíveis, fortes, de impacto, mas me pergunto se não são apenas joguetes dentro de seu intuito maior de simplesmente manipular as sensações e percepções de seu público durante duas horas (e um pouco mais depois da sessão).
Dessa vez ele vem com essa história apocalíptica sobre o fim do mundo, um planeta que lentamente se aproxima da Terra e não se sabe se ele se chocará ou não com nosso planeta. Nas mãos de qualquer um teríamos um filme com noticiários, desespero, gente correndo pelas ruas, transito caótica, uma procura incessante por abrigo. Nas mãos de Lars temos um casamento. Sim, um casamento. Aliás, a história desse planeta Melancholia só aparece na segunda metade, porque a primeira é sobre o casamento (e aqui está o grande tema do filme). A noiva, Clare (Kirsten Dunst) chega atrasada na mansão onde está acontecendo a festa de seu casamento, antes ela dá uma olhada nas estrelas e uma avermelhada lhe chama a atenção. Pronto, dali em diante teremos a pior noiva da face da Terra (alias, tenho medo dos casamentos dinarqueses depois do que vi em mais de um filme). Ela é tomada por uma melancolia tão profunda (e Lars conduz essa sensação de forma tão extravagante que os tentáculos de melancolia parecem surgir da tela e afetar o público). Já vi filmes melancolicos, nada parecido com esse. O fiasco da festa não importa, Lars está brincando de humilhar as relações pessoais, mas a presença marcante é dessa melancolia exacerbada, que chega a um estágio no filme que Clare praticamente não consegue se mover.
Na segunda metade temos o foco em Justine (Charlotte Gainsbourg), a irmã mais velha de Clare, que está aterrorizada com a possibilidade do fim do mundo. E Lars cria uma personagem tão humana, replete dos anseios materno-protecionistas, da confiança nas palavras do marido, na preocupação com coisas pequenas quando algo tão fora do nosso controle pode acontecer. A camera focaliza o planeta, praticamente olhamos pelos olhos de Justine, olhos com medo e confiança, o fim não pode estar próximo, meu filho ainda tem tanto a fazer. Nesse ponto ficam evidentes as diferenças entre as irmãs, é um outro tipo de melancolia, e Lars jamais trai seu filme, pouco interessa o que está acontecendo no mundo, o que estão dizendo, o mundo deles é ali, aquela varanda, os cavalos, e o pequeno convívio familiar.
Cheio de planos fechados, a entrega dos atores é total, as imperfeições dos rostos daquelas belas mulheres tornam a angustia mais clarividente, e talvez seja nesse ponto que Lars se destaque como o manipulador que é, o uso perfeito de fotografia, montagem e trilha sonora a favor dessa sua obsessão de ter as emoções do público sob seu bel-prazer. Chega a ser narcisista, porém funciona, o fim termina num dos finais mais poderosos e crus que se possa imaginar, e o peso do mundo parece estar sob os ombros, as feições de melancolia agora estão estampadas nas pessoas que saem daquela sessão, com créditos em silencio, e uma profunda dor na alma. Questionamentos? Mil. Mas não são exatamente quetionamentos sob a possibilidade do mundo acabar ou não, ou dos exageros picaretas presentes na festa do casamento (reparem não só nas duas protagonistas, como também na sempre excelente Charlotte Rampling como a mãe mais venenosa e sem coração da história do cinema). A questão é como alguém consegue plantar melancolia no coração de tanta gente, só contando uma história de ficção.